“Vote the assholes out” foi a frase que a Patagonia costurou em 2020 nalgumas peças de roupa, e que imediatamente fez furor nos media convencionais e não convencionais. Joe Biden enfrentava Donald Trump, cuja campanha era vocal relativamente à negação das alterações climáticas, e a marca californiana — fortemente comprometida com o tema — deixou evidente o seu apoio aos democratas.
Mas este poderá ter sido um dos últimos casos de envolvimento explícito de marcas na arena política. A polarização trouxe novos desafios aos gestores de marcas, no que toca ao apoio a candidatos ou a causas chamadas “fraturantes”.
Dificilmente teremos novos exemplos como o da campanha “Hope” da Pepsi em 2008, que abraçou a mensagem política de Obama. Já para não falar da inesquecível campanha da Benetton, de 2011, em que líderes mundial se beijavam apaixonadamente, entre os quais o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e o na altura líder palestiniano Mahmoud Abbas.
O mesmo se aplica à corajosa “We Accept” da Airbnb em 2017, que respondia energicamente à decisão da administração de Trump de restringir viagens para os Estados Unidos de cidadãos de vários países muçulmanos.
A exceção à regra — do lado dos republicanos — é protagonizada por Elon Musk cujo compromisso com os republicanos se faz essencialmente a título pessoal, restando saber ainda o impacto nos negócios. Mas Elon parece poder — e querer — pagar o risco.
Em Portugal, a “Estante para guardar livros” do Ikea atreveu-se inteligentemente a navegar a agenda política. Mas não existe um histórico de apoios tão flagrantes como os mencionados acima.
A extensão da participação das marcas no debate político e social nos passados 20 anos respondeu à necessidade de ganhar relevância, visibilidade e à construção daquilo a que hoje chamamos de cidadania corporativa, alvo de escrutínio pelas novas gerações de consumidores.
Mas o novo contexto político nos Estados Unidos, Europa e América Latina poderá travar esta incursão.
Após duas décadas de agenda progressiva, teremos exemplos de campanhas mais conservadoras? O esvaziamento do centro político terá por consequência a polarização do compromisso político das marcas? Ou assistiremos a uma retirada cautelosa por parte das marcas da cena política e social, como se o génio voltasse para dentro da lâmpada?
A polarização divide públicos e consumidores, sendo um risco para as marcas mainstream. Mas permite novas fronteiras de expressão e gera afinidades provavelmente mais profundas para quem saiba eleger a segmentação como estratégia core de crescimento.
Que o diga a emergente alemã GmbH que, na apresentação da sua nova colecção Outono/Inverno em Paris, designada “Untitled Nations” fez um apelo comprometido para o cessar-fogo em Gaza, desfilando casacos inspirados em keffiyehs palestinos.